Quando minha mãe estava já na UTI e se despedia de mim, dizia, prevendo que a morte não tardaria, que lamentava não ter escrito um livro de memórias. Prometi a mim mesma que registraria suas memórias, as que ela narrava com detalhes e encanto. Era uma encantadora de histórias que me fez ter total respeito pelos livros e pelo universo da palavra, antes mesmo que soubesse o que poderia ser decodificar as letras, traduzindo-as em sentido. Ainda não cumpri a promessa e fico pensando que interesse pode haver pelas memórias de gente simples. Não inventamos nada de tão grandioso, não fizemos revoluções, não tivemos minutos de fama, nem segundos. Gastamos o tempo precioso de nossa vida com a luta diária, dando sentido à vida pelo trabalho, ainda que sempre o mesmo, ritual de horários e de práticas. Se houve amores, não têm todos os que amam sua parcela de dor e de amor, de presença e de saudade? Não nos casamos com príncipes, nem guevaras. Não fomos presidente de nada. Não resolvemos a fome do mundo. Nossa santidade tão precária. Nossa bondade tão finita. Nossa crueldade tão igual e previsível. Nossa vida talvez interessasse a vizinhos sem ocupação, aposentados distraídos, o que é cada vez mais raro porque todo mundo se ocupa de ganhar a vida ou de olhar algo no celular. Para piorar, as casas trazem muros altos e cercas elétricas. Ninguém nos espia da janela. Ninguém sabe nosso nome. Ninguém nos pede café ou açúcar.
Longe de Camões a merecer a imortalidade pela precisão de seus versos de engenho e arte, escrevemos, traduzindo-nos em versos que falam de nós de modo enviesado, brincando de anúncio e esconderijo.
Creio que pode ser o que mais interesse a ACALANTO: ver que mulher é essa pelo que emerge de seus poemas, pelos temas que frequentam suas crônicas. Os artigos acadêmicos podem até tratar de literatura, mas têm a diretriz do gênero, atendendo ao tom que se destina à ciência. Há muito de política também, porque a escolha dos temas de pesquisa são sempre políticas, mesmo as apolíticas, as que se pretendem neutras, as que disfarçam a parcialidade de nossa interpretação sobre o mundo com as muitas citações, o emprego da terceira pessoa, o vocabulário contido de pouca adjetivação, a sintaxe elegante e discreta, passando longe do barroco e do poético.
Três filhos, duas noras, quatro gatos, dois cachorros, multidão de amigos. Bom humor e indignação contra as injustiças, que se assoberbaram no Brasil desde o golpe contra Dilma Rousseff. Contra o desmatamento da Amazônia, o abuso com agrotóxicos, o latifúndio, a exploração dos trabalhadores, o neoliberalismo, o uso da religião para propósitos eleitorais, a homofobia, o racismo, a violência contra mulheres, indígenas, pobres. Defensora da educação pública, gratuita e de qualidade. Defensora da democracia e que espera que os que a ameaçam respondam criminalmente por isso.
Professora da educação básica entre 1988 e 2004. Docente do ensino superior desde 1993. Reside em Araguaína, desde 2004, tendo passado em concurso para a vaga de linguística no curso de Letras da UFT em 2005. Concluiu doutorado em Letras na Universidade Federal Fluminense em 2006. Participou da comissão responsável pela criação do Programa de Mestrado em Letras da UFT de Araguaína em 2009, o primeiro na área de Ciências Humanas do Tocantins. Participou da comissão que criou o doutorado na UFT, aprovado em 2013. Participou da comissão nacional que criou o Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional, em 2013. É hoje coordenadora adjunta da rede de 42 universidades que o compõem. É editora-chefe da Revista EntreLetras, da UFNT. É coordenadora de um grupo de pesquisa, criado em 2010, o GESTO (Grupo de Estudos do Sentido – Tocantins). Trabalha muito. Quando sobra tempo, ou o rouba, surrupiando-o entre café e cigarro, escreve. Escreve artigos sobre literatura para ter pretexto sério para ler o que é bom e importante. Espera que um dia o país se torne menos desigual e que todos tenham direito a ler e a contar suas histórias, a escrever suas biografias, a publicar suas memórias, a reverenciar pela palavra seus ancestrais, a criar orações para agradecer a vida.
Nasceu em Barra Mansa. Fez como Tolstoi, no poema de Quintana, e fugiu de casa. Aos 39 anos, partiu rumo ao Tocantins de mala e cuia e livros. Diz o poeta que Tolstoi morreu na gare de Astapolvo. Tendo atravessado a fase que parece ter sido a pior da pandemia, vive em Araguaína, apaixonada pelo Araguaia.